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A última taça de vinho, da última garrafa. Como se fosse a primeira...
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São Luiz, Ipiranga, Biblioteca

São Luiz com Ipiranga até a Biblioteca,
no caminho tinha uma pedra...



Domingo nesse 2007 de metamorfoses ambulantes, depois de quase 10 anos fui até a feira da Praça da República. Procurava um don quixote e sancho pancho, desses que se fazem com restos de peças velhas e sucatas.
A fome convidativa nos leva a pensar primeiro num bolinho de bacalhau. O boteco famoso fechado no domingo, traz ao pensamento alternativas. A “Salada Paulista” das “sarchichas” com salada de batata, não existe mais! Será que o “Jeca” na Ipiranga com São João ainda tem churrasquinho (ou churrasqueto?), será que ainda é o “Jeca”?
Opções atuais o “bauru” do Ponto Chic que ainda resiste no Largo do “Paiçandu”, ou o sanduíche de pernil do Bar Estadão perto da Biblioteca Municipal.
Da República até o decantado sanduíche, uma quadra de avenidas com imensas lembranças: Avenida São Luiz com Avenida Ipiranga, até a Biblioteca Municipal Mário de Andrade.
A Avenida São Luiz, tem o nome de avenida, mas é muito curta, pelo que sei um quarteirão e meio. Mais um “bulevar” com árvores imensas, rua larga com prédios antigos e apartamentos imensos.
No final dos anos sessenta, era o centro de São Paulo, numa época anterior aos shoppings centers, (gozado houve uma época que não existia esses centros comerciais...) era o local da moda. Numa São Paulo cidade ainda provinciana, fazia-se o “footing” das cidades do interior. O ir e vir de moços e moças, paquerando ou como já se disse “azarando”, “chavecando”, “se dar bem” ou sei lá como se fala hoje, desse ritual de procriação.
O lado esquerdo da São Luiz, da Ipiranga até a Galeria Metrópole, (modernidade na época), com o bar “Moon” no primeiro andar, com suas mesas de fora, criando uma visão de varanda com sacada, um pagode chinês, trazia o mundo num momento mágico.
Quem não conseguia lugar, ou mesmo não tinha dinheiro, ficava fazendo footing, na São Luiz. Muitos relacionamentos surgiram nesse encontro de avenidas. Meu casamento, com um casal de filhos, são os frutos desses encontros do destino...
Muito mais representava a Av. São Luiz, Caetano Veloso cantava a Avenida Ipiranga com Avenida São João. Mas morava na Avenida São Luiz, junto com Gilberto Gil, Bethânia, Dedé e Gal Costa.
Encontros em frente à Biblioteca, para trocar poesias, e contos. Encontros e desencontros
Na Galeria Metrópole, na época áurea das galerias, no último subsolo um bar alternativo, trazia música popular, com cantores dos festivais como Elis Regina, Milton Nascimento, Chico Buarque, Rosa Maria cantando Califórnia Dreans e Sumertime. Era o início do bar “Jogral” do “Carlos Paraná”.
Apesar do romantismo não era uma época fácil. Ditadura, opressão, mortes suspeitas outras bem declaradas... “Caminhávamos contra o vento” muitos partiam do Brasil, ou eram expulsos. Adesivos nos carros “Brasil ame ou deixe-o!”.
Caetano e Gil, forçados pela ditadura saíram do país, cantávamos num ritual de exorcismo “aquele abraço”, com o Chico “vai meu irmão, pega o avião...” diz que eu vou levando, e “apesar de você” agíamos e fazíamos planos sonhando...
No caminho tinha uma pedra... Era de aluvião, trabalhado pelas torrentes.
A São Luiz dessa época era imbatível em provocar sonhos. Entre o Instituto Caetano de Campos, de normalistas de uniforme azul e branco (normalista?), Edifício Copan do Niemayer, o Edifico Itália, com seu restaurante onde se via São Paulo.
Dezenas de agências de viagens enchiam a Avenida “bulevar” quase Paris, fazíamos planos de viajar pelo mundo. Paris, Roma, Genebra, “Oropa, França e Bahia”. Encantava-me as imagens do Taiti, ilhas paradisíacas, gente morena feliz, sol, praia. Quase o sul da Bahia...
Numa dessas lojas em exposição na vitrine em lugar nobre, uma enorme pedra, trabalhada pela erosão, com sulcos, um enorme buraco, escavado por centenas de anos, por uma torrente forte, ou o gotejar de uma bica por milhões de anos, fizera uma obra de arte. Água mole, em pedra dura...
Arte retirada da natureza. Ainda existe a Amazônia? Preservação ou degradação?
Obra de arte? Sem intervenção humana? Ou alguém esculpira, ou dado uns retoques. Nunca soube da origem da pedra da Avenida São Luiz. Quem havia trazido? Numa agência de viagens, o transporte fora por trem, navio ou avião? A pedra da terra dos sonhos, talvez fosse da terra mítica de Pasargada (“vou-me embora”...). O sonho de sair do país, ou enfrentar a realidade e mudá-la.

Depois de quase quarenta anos, penso: valeu à pena?

Tantos que amamos, foram na viagem imutável..., que todos um dia iremos realizar.
A antiga musa de esquerda Beth Mendes é a vó Dona Benta do sítio do Pica-pau Amarelo da Globo. A musa do “Hair” Rosa Maria com sua voz doce, hoje é a “tia Anastácia”. No dia em que vi a cantora Dudu Moraes das Frenéticas, como tia Anastácia arregalei os olhos como um “pai joão” ou “tio Barnabé”. Velho e desempregado sei como é difícil conseguir trabalho. Ainda bem que não vi, “Xica da Silva”, “Dandara”, Zezé Mota como Tia Nastácia. Talvez nada tenha importância, são sós personagens e tudo é teatro! Está tudo certo! São só sombras e ilusões.
E os sonhos? Carolina Maria de Jesus, escritora do “Quarto de Despejo”, falava da necessidade do Brasil ter um presidente que viesse do povo... Lula hoje cita Raul Seixas, e nega ser uma “metamorfose ambulante”...
Hoje na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, a chuva entra pelo telhado, encharcando os livros.
Centro da cidade, degradado, uma criança se aproxima, um medo paranóico, nos traz a violência da cidade. Uma criança abandonada torna-se um monstro, e não mais uma criança.
“Ministro envolvido com corrupção demite-se.”
Manchetes dos jornais ainda estão na minha cabeça: “O PCC paralisa São Paulo”.
Revolução Social ou anarquia?
No fundo o poeta sussurra: “tudo vale a pena, se a alma não é pequena...”.
A impressão que me fica é a da enorme pedra de aluvião, num canteiro da Avenida São Luiz no. : Jogada deitada abandonada, e já com a base quebrada. Serão os meus sonhos? Ou pesadelos?

Na televisão a entrevista do Saramago, embala os meus últimos pensamentos antes de dormir: “... o que queriam? Que ele se tornasse uma Joana D´Arc e corresse de lança em punho?)...”

A fogueira nos espera? O saci ainda mora no oco do bambu? Onde estarão o Boi Tatá, Curupira e a Cuca? Na natureza da pedra de aluvião, jogados no canteiro da Avenida São Luiz?

Velho Caipora escrevo as reminiscências, durmo e sonho.
Quem se interessa por sucata, quixotes e pedras?




21 de maio 2007

Ps. Entramos em contato: A Administração Regional levantou a pedra
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Ciclo Memórias de São Paulo

2010 Setembro: A Biblioteca Municipal Mário de Andrade foi reaberta em parte depois de um ano e meio de reforma.
Hugo Ferreira
Enviado por Hugo Ferreira em 08/09/2010
Alterado em 08/09/2010
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