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A última taça de vinho, da última garrafa. Como se fosse a primeira...
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Meu primeiro amor foi uma moura.
Até hoje tenho a doçura de seu olhar presente. Sua risada aberta, seus gestos carinhosos.
Não me lembro do que conversávamos, já faz tanto tempo...
Tenho a certeza de seu amor incondicional. Era um amor extremo, uma vez fui colocado, ou me coloquei próximo de um perigo mortal.
Foi uma das primeiras decisões fundamentais da minha vida. Poderia até ter evitado, fugido, ou mesmo nem ter me arriscado, mas fui pagar o preço da curiosidade. E de repente estava lá, a morte ou a vida na decisão.
A moura gritou desesperada, nem olhei porque sabia que nesse momento, eu estava jogando pesado. E não fugi medida clara e coerente dos sobreviventes.
Confesso que fui salvo. Não houve nenhum ato heróico de minha parte. Apenas inconseqüência pura. Mas sobrevivi, como foi e quem foi o salvador da minha vida e dignidade, hoje nesse dia não é tão importante.
Estou falando de meu primeiro amor, de como ela reagiu.
Depois de muito tempo, perguntei para quem estavam presente, nem se lembravam do episódio. Talvez tenha sido coisa banal, sem importância, mas foi a primeira vez que coloquei a minha vida em jogo. E houve outras tantas...
A reação da moura foi inusitada. Ela uma mulher forte, decidida, capaz de enfrentar situações difíceis. Uma verdadeira rocha de dignidade e têmpera, naquele dia, lembro-me, desmoronou, mesmo depois do perigo vencido entrou em num choro convulsivo.
No momento do enfrentamento, sua voz tornou-se esganiçada, como as mulheres celtas, germânicas, ou tuaregues, entoando gritos de guerra, fazendo seus homens, lutarem com denodo. Coragem vinda de seu complemento feminino. Viver é preciso...

Até por seus gritos, é que enfrentei meu primeiro perigo mortal. Não havia como recuar. Não houve nada de heróico de minha parte. Fui salvo. Talvez conte até em outro momento como ocorreu.
Hoje gostaria de falar de meu amor pela moura. E de como era correspondido.
Sua presença marca todos os meus dias. Vejo claramente hoje que sempre busquei em todas as mulheres a sua imagem. Não a física, mas a de caráter, de companheirismo e dedicação.
Passado tanto tempo, hoje eu sou o depositário dessas lembranças. E como um dos antigos bardos e escribas, conto minha versão dos causos vividos. Meia realidade e ficção, pois o tempo apaga e transforma as lembranças. Faz a gente criar emoções, lembranças dos momentos vivenciados.
Nunca mais vi a moura, chorar ou perder o controle. Isso me dá a certeza da realidade do perigo enfrentado.
Porque falo desse momento hoje? Pediram-me há pouco tempo para eu falar dela. Foi estranho, porque notei que não contara o suficiente. De forma inquisitiva, pediram para eu contar como ela era, sorria se era carinhosa.
Ah como é difícil falar do seu primeiro amor. E ao mesmo tempo sinto um calor gratificante de paixão, me envolvendo.
Contei coisas, causos, histórias.
Mas sinto que nem eu mesmo saiba tudo, ou possa descrever o que sei, ou que sinto.
Só um sentimento de amor muito forte presente em tudo que faço.
Filha, feliz aniversário, essa era sua avó, há muito dela em você.

1º. de setembro de 2006



Nesse 29 de julho de 2010, forma-se a última neta da moura.

Raspa de tacho, de um raspa de tacho...

Depois de cinco anos, seguindo seus próprios caminhos, transforma um dos seus sonhos em realidade.
As tenacidades guerreiras, independência, fizeram vencer tantos obstáculos.

Vencer preconceitos, discriminações, ser parte e todo de uma sociedade. Continua sendo feita por um antigo preceito de minha família: Educação.

A evolução socialista não se fará com armas, mas com processos educativos.

Filha a moura vive em você! Te amo profundamente e tenho orgulho.
Hugo Ferreira
Enviado por Hugo Ferreira em 29/07/2010
Alterado em 29/07/2010
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